O regime austeritário que actualmente impera visou o desmantelamento do Estado Social e, ao mesmo tempo, provocou um aumento brutal e dramático dos níveis de desemprego, de precariedade e de pobreza. As desigualdades acentuam-se de dia para dia e existe também um sério risco de cristalização de valores conservadores para a esfera privada e as tarefas de reprodução, ao mesmo tempo que parece crescer uma tendência para a mercantilização das nossas vidas e dos nossos corpos. Em qualquer dos casos, enquanto aumenta a violência de género, é comprometida a nossa autonomia de decisão. O risco é de um retrocesso civilizacional profundo.
Nos últimos três anos decorreram, por toda a parte, várias iniciativas feministas denunciando a chantagem em torno da “dívida”, os impactos sociais das políticas de austeridade, e o facto desta crise, como todas as outras, ser genderizada. Fizemo-lo muitas vezes coordenadas com outras companheiras feministas de outros países, com outros movimentos sociais, a nível local, regional, nacional, europeu e internacional. Resistimos no trabalho, nas nossas casas, no espaço público. Construímos e afirmamos alternativas. Somos cada vez mais. Mas ainda somos poucas para a mudança que há-de vir. Para a mudança que queremos ser e ver. Para a mudança não só possível como urgente.
É para ela que pensamos este encontro. Lançámo-lo em Portugal, mas com uma escala ibérica. Consideramos que, dada a proximidade geográfica, é importante criar espaços de encontro e respostas de acção que mobilizem mulheres da península ibérica.
Não se trata de um seminário ou de um colóquio. Trata-se um encontro de activistas feministas visando a definição de uma estratégia comum, à escala ibérica, de resposta feminista à ofensiva austeritária que afecta as nossas vidas. Um encontro como espaço de reflexão, de debate, e de acção; um encontro para criar e fortalecer laços sociais feministas e ibéricos; um encontro para definir estratégias mas também um encontro para conviver.
O pessoal é político, como afirmaram as feministas em finais da década de 60 e na década de 70. O que somos, o que queremos ser, o que esperamos de nós, o que esperam de nós, os nossos corpos, os nossos amores, os nossos desejos, as nossas vivências, as nossas resistências definem-se, constroem-se e desenvolvem-se num determinado contexto e campo de possibilidades. Contextos, campos, que também queremos transformar, juntas.
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