quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Assembleia Feminista 360º

 



A proposta da assembleia feminista 360º surge da necessidade de levar a cabo a construção coletiva de um espaço de ação e discussão, assembleária, para que as diversas coletivas, organizações e pessoas possamos convergir as nossas diversas ações, de forma, a potenciar uma resposta feminista coletiva à crise pandémica.

 

A nossa proposta é que este seja um espaço organizado por todas e todes que queiram participar e que fomente a reflexão, a partilha de saberes, ferramentas e resistências e a criação de possíveis alianças e ações conjuntas feministas para enfrentar a crise pandémica e social. Acreditamos que os tempos que se avizinham serão menos difíceis para todas nós se nos unirmos em solidariedade e mútuo apoio. 

 

Esta proposta vai no sentido de nos aproximar e alargar a mobilização política feminista com vários movimentos sociais, anti-racistas, laborais, anti-capitalistas e ecologistas e também a grupos e pessoas que não fazem parte do arco ativista.

 

360º remete-nos para uma visão abrangente que não quer deixar ninguém de fora, remete-nos para uma dimensão global de ação, no sentido em que para a construção de políticas é necessário ter em conta as várias facetas do poder - patriarcal, racista, heterossexista, capitalista e extractivista, militarista, policial e carcerário. Representa, assim, uma perspectiva interseccional, um olhar dos feminismos e as suas práticas através de todos os ângulos e que atente a todas as dimensões da vida.

 

Acreditamos que o primeiro passo para agirmos no mundo é estando juntas, escutando-nos, aprendendo e crescendo umas com as outras. 


+info: https://fb.me/e/45cjGcm4R

 

 




domingo, 21 de fevereiro de 2021

Como a crise pandémica está a afectar as nossas vidas?


1 - Como se encontrava a situação em Portugal antes de COVID19 (diagnóstico prévio): na política, no economia, direitos das mulheres e articulação de movimentos sociais?

A crise financeira de 2008 deu lugar a uma crise económica, aprofundada pelo regime de austeridade promovido pela União Europeia (UE) nos países do sul da Europa. Inicialmente adoptado pelo governo social liberal do Partido Socialista (PS) e, entre 2011 e 2013, uma coligação de direita constituída pelo Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Popular (CDS/PP) - no quadro de uma troika envolvendo a UE, o Banco Central Europeu (BCE)  e o Fundo Monetário Europeu (FMI) - o programa de austeridade assentou numa estratégia de desvalorização interna visando o resgate financeiro da banca, a desvalorização do trabalho, o aprofundamento das privatizações e o desmantelamento do estado social. Implicou um aumento brutal dos níveis de desemprego, precariedade, desigualdade e pobreza. Os retrocessos ao nível do trabalho e do estado social foram acompanhados por um discurso conservador, legitimando a sobrecarga das mulheres em termos de trabalho pago e não pago, e pelo recuo em áreas como o combate à violência doméstica e os direitos sexuais e reprodutivos - como é o caso da recente conquista, em 2007, do acesso a aborto seguro e gratuito. Como então alertámos corria-se o risco de cristalização de valores conservadores e a tendência para a mercantilização das nossas vidas e dos nossos corpos. Apesar do discurso da inevitabilidade, a implementação da austeridade gerou uma grande onda de protestos ao que o governo respondeu com um aumento da repressão, sem precedentes em mais de duas décadas. Foi neste cenário que, na sequência da eleições de 2015 e perante a iminência da perpetuação do governo PSD/CDS-PP, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) decidiram apoiar um governo liderado pelo PS.

Os debates e a mobilização em torno de lutas feministas e LGBTQIA* contribuíram para a consciencialização das questões de género e direitos civis. Foram implementadas medidas de prevenção e combate à Violência de Género e a transposição de artigos da Convenção de Istambul, incluindo a criminalização do assédio sexual. Apesar de continuarem a ser reportados pelas vítimas abusos de poder e desvalorização da violência de que são alvo, ainda assim têm sido realizados alguns esforços na formação das forças policiais. É destacar uma maior visibilização e mobilização na denúncia do machismo institucional que ainda domina a justiça. Em 2018 foi também introduzido o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género, o que constituiu uma importante conquista do movimento LGBTQIA*.

Nos últimos anos, o movimento anti-racista ganhou um novo fôlego com o novo protagonismo de ativistas e coletivos das comunidades racializadas, nos quais é de destacar o papel de ativistas e grupos feministas, na denúncia sobre a mentalidade colonialista e o racismo estrutural que ainda persistem na sociedade portuguesa. Em 2018 e, mais recentemente em 2020, foi alargado o acesso à nacionalidade originária e à naturalização de pessoas nascidas em território português o que reflete a maior capacidade de mobilização e impacto destes movimentos. É importante destacar que estes movimentos têm sido alvo de especial repressão.

Verificaram-se retrocessos no plano económico nomeadamente pelo ataque do direito à greve, a degradação das condições laborais e do acesso à habitação. A precarização e a degradação dos direitos laborais levadas a cabo com o programa de austeridade não se inverteram e, até, se aprofundaram. Em Portugal há uma alta taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho mas isso coexiste com a desigualdade salarial, a precariedade e a segregação laboral. Apesar de mais qualificadas, as mulheres constituem grande parte da força de trabalho nos segmentos salariais mais baixos (70% dos 2 decis mais baixos) e diferencial salarial é da ordem dos 17%. A segregação significa que as mulheres estão pouco representadas nas posições de poder e de decisão, concentradas em setores mais precários e mal pagos (destaque para a restauração, hotelaria e limpeza) e em atividades que representam a continuidade dos papéis de género na família, nomeadamente nos cuidados (ex: limpezas, emprego doméstico, saúde, educação, hotelaria e restauração).

É de destacar, por um lado, a existência de um modelo social subprotetor e, por outro, predomínio do modelo de ganha pão dual. O atraso histórico na construção do estado social, em contracorrente com a tendência a nível europeu para o seu desmantelamento, levou ao predomínio de modelo de social sub-protetor fortemente dependente da família-providência, colocando pressões acrescidas às várias gerações de mulheres sobrecarregadas com as tarefas de cuidados - por ex., é de destacar a muito baixa cobertura da rede creches pública (cerca de ⅓). Este modelo através da privatização dos cuidados centrada na família e nas IPSS’s usa a força de trabalho não pago ou mal pago, das mulheres. Por outro lado, os baixos salários tem sido compensados pelas persistência de um modelo de ganha pão dual, colocando muitas as mulheres na dependência de um segundo salário para fazer face às despesas quotidianas básicas, nomeadamente a habitação, especialmente quando têm filhos a cargo, o que coloca pressões acrescidas sobre a sua autonomia. Desta forma, muitas mulheres adiam a decisão de ter filhos e, simultaneamente, há muitas situações de regresso à casa dos pais. Por fim, é de destacar a moralização das medidas de proteção social numa lógica de controlo e estigmatização das mulheres mais pobres. Há uma tendência para a multiplicação de dispositivos tendentes à marginalização das mulheres mais pobres. Assinale-se que Portugal tem sido dos países da Europa com maiores taxas de encarceramento de mulheres.

Há diferenças territoriais. Nos meios rurais ainda há um peso importante de situações de confinamento ao trabalho doméstico, isolamento e acesso limitado a oportunidades de educação e de emprego, ao mesmo tempo que são maiores as possibilidades de acesso a atividades de auto-provisão, nomeadamente na agricultura. Em contexto urbano, as dificuldades de acesso à habitação, uma maior mercadorização do trabalho surge associado também a uma maior dependência do dinheiro para garantir a sobrevivência. A degradação dos serviços públicos, a servicialização da economia, a destruição de setores essenciais à soberania alimentar como a agricultura e a pesca, monopólio da distribuição alimentar por grandes grupos económicos  e o crescente peso do turismo, em especial no rescaldo da da crise de 2008, representam debilidades estruturais que em contexto da pandemia configuram uma crise catastrófica.

Em 2019, pela primeira vez, desde o fim da ditadura em Portugal foi eleito um deputado para a assembleia de um partido de cariz neo-fascista. Em contrapartida, destacamos um maior peso e visibilidade das mulheres na esfera pública. São 38% no parlamento, há várias mulheres com papel de liderança partidária e nas últimas eleições foram eleitas três deputadas negras. Além disso, as mulheres têm ganho especial destaque nos conflitos laborais sectoriais nomeadamente na educação e saúde e, pela primeira vez desde o 25 de Abril, a CGTP, a maior central sindical do país, é liderada por uma mulher. Por outro lado, o impacto da onda global de greves feministas 2017-2020 tem colocado num nível o debate sobre o significado social do trabalho e novas formas de organização da sociedade.

2. O que é que foi acentuado pela Covid19: crises de cuidado, economía, violência contra as mulheres? Quais foram as respostas dos governos? Governos de direita Vs Governos com propostas alternativas?

Numa primeira fase foi minimizada a ameaça à saúde pública. As fábricas que constituíram os primeiros focos de contaminação, no norte do país, continuaram a laborar colocando em causa a saúde de trabalhadores/as, da população local e facilitando a disseminação da doença. As primeiras respostas vieram do sector público com a paragem das escolas e serviços não essenciais, sob pressão da opinião pública. Em muitos casos foi a ação de resistência a maior arma na contenção do vírus - foi esse o caso da greve das trabalhadoras da limpeza no Metro do Porto, exigindo condições e materiais de proteção; ou de ações de protesto por quem trabalha em centros comerciais em todo o país, exigindo o seu encerramento. Entretanto, com o agravamento da situação em outros países como a Itália e o estado espanhol foi adoptada uma estratégia de confinamento e limitação da circulação. Foi declarado o Estado de Emergência que incluiu a suspensão de direitos fundamentais como o direito à greve e o direito de resistência. Como então foi denunciado, esta decisão estabeleceu erroneamente que a resposta à ameaça à saúde pública gerada pela Covid-19 requer sobretudo medidas repressivas, que põem em causa princípios fundamentais da democracia. Na verdade, foi sobretudo a resposta voluntária, comunitária e não-coagida por parte de quem assegura funções essenciais ao bem comum que efetivou respostas mais eficazes. Trabalhadores e trabalhadoras do público e do privado procuram garantir os serviços essenciais, muitas pessoas colocaram-se em quarentena voluntária e verificaram-se algumas iniciativas para prestar ajuda a quem não podia sair de casa. Organizações sindicais dos serviços públicos suspenderam o aviso prévio de greve.

Setores não fundamentais da economia tardaram ou nunca chegaram a parar e não foram garantidas as condições mínimas de segurança, ou, mais cruel ainda, a licença remunerada para trabalhadores/as doentes ou de risco. Muitas das mulheres que estiveram em teletrabalho viram-se sobrecarregadas nas suas casas que se tornaram escolas e local de trabalho, comprimindo tempo e espaço e aumentando a necessidade do trabalho doméstico e de cuidados. A ”invasão” do laboral no privado indica que se exige cada vez mais que vivamos para trabalhar. Assistiu-se, ainda, a uma promoção do teletrabalho como forma de reduzir custos para as empresas e aumentar a produtividade/rentabilidade de quem trabalha. O crescimento do desemprego e os layoffs levaram a uma diminuição generalizada dos rendimentos. E, ainda um aumento de desemprego cuja dimensão e impactos sociais e económicos estão subavaliados pelas estatísticas. As medidas de apoio social, além de tardias, deixaram de fora os setores mais precarizados, que não têm carreira contributiva que garanta o acesso a subsídio de desemprego. Por outro lado, destaque-se um cenário de crescente precarização do acesso habitação e sobrelotação habitacional. Este tema é crítico visto que não é possível fazer quarentena sem casa, e torna-se irrealista quebrar cadeias de contágio em casas sobrelotadas e bairros degradados. Com a pressão do movimento do direito à habitação os despejos foram temporariamente suspensos. Quem trabalha em setores essenciais como a saúde, a distribuição alimentar e os transportes, continuou laborar, em condições risco e em muitos casos em condições laborais e salariais injustas. Verificou-se uma redução dos meios de transportes, já anteriormente deficitários, o que se tornou um fonte adicionais e diária de risco para quem estava a garantir as funções essenciais ao bem comum. Muitos profissionais de saúde trabalharam sem qualquer protecção e nem sempre os seus direitos foram garantidos em caso de quarentena ou contágio. Nos lares - onde o impacto da Covid19 foi desastroso - têm-se verificado violações diárias de uma força de trabalho, sobretudo feminina, mal paga e precarizada. Na distribuição alimentar e na limpeza, a situação era particularmente gravosa, face à precariedade, o subemprego e os baixos salários aí verificados.

A pandemia aprofundou o isolamento das pessoas idosas, seja pela sua situação de vulnerabilidade colocando em causa a sua capacidade e de autodeterminação, muitas vezes infantilizadas. Desvalorizadas e estigmatizadas as pessoas idosas foram tratadas como um fardo para a sociedade. A pandemia expôs a situação insustentável dos lares e a hierarquia que existe em termos da valorização da vida de umas pessoas em detrimento de outras.

Durante o confinamento as mulheres ficaram mais expostas à violência doméstica devido à maior dificuldade na denúncia e à dificuldade de adaptação e reorganização das estruturas e serviços. Neste período assistiu-se um aumento exponencial no número de denúncias e um aumento da gravidade e frequência das agressões, assim como de relatos de situações de violência económica. A proteção social das vítimas tem falhado em termos de intervenção integrada, descurando questões fundamentais como o acesso ao emprego e a habitação.

O estado de emergência levou a um maior policiamento que recaiu sobre os grupos, comunidades e territórios mais estigmatizados e afectados pela pobreza e a exclusão social. Como são exemplo os bairros populares onde vive muita população migrante, afrodescendente e cigana que durante a pandemia tiveram de continuar a trabalhar e a usar os transportes públicos, correndo o risco de ficar doentes - destaque-se aqui as mulheres negras e imigrantes com peso grande no sector das limpezas.

Durante a pandemia foi facilitada a ‘regularização temporária’ de imigrantes, face ao surto de Covid-19. Esta é uma reivindicação de longa data das organizações de defesa dos direitos de imigrantes que continuam a lutar para que a medida seja mais abrangente e se traduza numa regularização efetiva. Apesar deste Despacho ser uma medida positiva, é importante realçar que deixou muitas pessoas de fora, especialmente as mais vulneráveis sem documentos. Além da bondade da medida ser duvidosa, o seu caráter temporário indica que esta foi uma forma de mobilizar mão de obra barata num contexto em que uma boa parte da força de trabalho estava em confinamento para evitar expor-se aos riscos.

A manipulação mediática em torno da pandemia abriu espaço à criação de bodes expiatórios - primeiro os idosos, encarados como fardo, e já em cenário de desconfinamento, as comunidades racializadas. Isto contribuiu para o pânico moral e a incorporação generalizada de uma lógica assente no policiamento e controlo. Por outro lado, obscureceu as reais causas da crise de saúde pública que residem nas políticas neoliberais que não só levaram a um desinvestimento do sistema público de saúde como contribuíram para a precarização e degradação das condições de vida, especialmente dos setores mais empobrecidos e marginalizados. Este contexto foi instrumentalizado por sectores mais conservadores e, em particular, por grupos neofascistas, que instigaram à xenofobia e ao racismo ao mesmo tempo que, face à crescente mobilização anti-racista e do movimento negro na denúncia do racismo estrutural na sociedade portuguesa, procuraram veicular a negação do racismo. Em Junho foi assassinato Bruno Candé, após repetidas ameaças racistas e insultuosas. Em agosto assistimos, a uma concentração de um grupo neonazi em frente à sede do SOS Racismo. Nos últimos meses esta e outras organizações tinham sido grafitadas com mensagens de incentivo ao ódio. Em Agosto, a mesma organização anti-racista recebeu um email dirigido a 10 pessoas, entre elas ativistas e deputadas, intimando-as a abandonar o país em 48 horas e a renunciar às “suas políticas”. Ao longo dos últimos meses assistiu-se à escalada de manifestações racistas a um nível inaceitável, ameaçando democracia e a integridade pessoal e física de companheiros e companheiras de luta.

O mundo não será o mesmo depois de 2020. As respostas neoliberais e repressivas à crise pandémica ameaçam as nossas vidas e a democracia. Mas perante este cenário organizamo-nos coletivamente para uma resistência global. Queremos alimentar a onda das mobilizações internacionais feministas, ambientalistas, anti-racistas, as lutas laborais e afirmar que estamos fartas deste sistema. É urgente construir e reforçar alianças para criar uma agenda comum para dar resposta à crise social que vivemos. Queremos iniciar uma transformação social global já! 

Por uma sociedade onde o cuidado pela vida, pelas pessoas e pelo ambiente seja sempre prioridade.

Dar corpo ao manfesto: resistir para viver, marchar para transformar!

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17 de Outubro de 2020

Marcha Mundial das Mulheres Portugal