quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Fecho da V Ação Internacional da Marcha Mundial de Mulheres, sob o lema Resistimos para viver, marchamos para transformar


No próximo sábado, dia 17 de outubro, será o encerramento 5ª ação da Marcha Mundial das Mulheres. Este é um importante momento mobilização e articulação deste movimento internacional com presença mais de 50 países e territórios e que celebra este ano 20 anos de existência.

A pandemia não deteve o nosso movimento, foi justamente o contrário: o nosso lema tornou-se mais concreto nestes tempos. Como movimento de mulheres anticapitalistas e anti racistas, estamos defendendo a vida há 20 anos e, por isso, não paramos de enfrentar a violência machista, racista e colonial e os avanços do conservadorismo. Seguimos lutando até que todas sejamos livres, pelas nossas vidas e por um futuro de igualdade, liberdade, solidariedade, justiça e paz em todos os territórios do planeta. Resistimos para viver, marchamos para transformar!

As mobilizações tiveram início a 8 de Março, incluíram ações assinalando o Dia da Terra Palestina – Pela autodeterminação dos Povos (30 de Março); 24 horas de Solidariedade Feminista contra o poder das transnacionais (24 de Abril) e a Jornada Antiimperialista (25-31 de Maio). Para finalizar estava prevista uma atividade internacional na fronteira entre Guatemala, Honduras e El Salvador mas a pandemia da Covid-19 tornou inviável a viagem de ativistas e manifestações envolvendo mulheres de todo o mundo. Assim foi organizado um 
fecho descentralizado entre 12 e 17 de Outubro em cada dia damos visibilidade às atividades nas cinco regiões em que está organizada a Marcha: África (12), Europa (13), Ásia/Pacífico Sul (14), Médio Oriente/África do Norte (15) e Américas (16).  

Dia 17, terá lugar as 24 horas de ação feminista em que entre as 12h/13h realizaremos ações descentralizadas, no fuso horário de cada país, com início na Nova Caledónia e finalizando no Quebec. Às 12h de Portugal, um conjunto de organizações coletivos lançarão em em simultâneo nas suas redes sociais um vídeo com testemunhos de mulheres, dando corpo ao manifesto “Resistir para viver, marchar para transformar”Às 15h horas de Portugal, será transmitido em direto a atividade de fecho, no qual lançaremos a declaração de encerramento desta V Ação Internacional.

Resistir para viver, Marchar para transformaMarcha Mundial de Mulheres - Portugal 5ª Ação Internacional - Outubro 2020


O mundo não será o mesmo depois de 2020. As respostas neoliberais e repressivas à crise pandémica ameaçam as nossas vidas e a democracia. Mas perante este cenário organizamo-nos coletivamente para uma resistência global. Queremos alimentar a onda das mobilizações internacionais feministas, ambientalistas, anti-racistas, as lutas laborais e afirmar que estamos fartas deste sistema. É urgente construir e reforçar alianças para criar uma agenda comum para dar resposta à crise social que vivemos. Queremos iniciar uma transformação social global já! 

Por uma sociedade onde o cuidado pela vida, pelas pessoas e pelo ambiente seja sempre prioridade.

Resistimos para viver! Marchamos para transformar!

Resistimos aos programas de austeridade que provocam o aumento do desemprego, da desigualdade, da precariedade e da pobreza; legitimando ainda mais a sobrecarga de trabalho pago e não pago feito pelas mulheres. Marchamos contra a mercantilização das nossas vidas e dos nossos corpos!

Resistimos aos ataques ao direito à greve, à degradação das condições laborais  e à forte precarização do trabalho das mulheres. Marchamos por condições de trabalho e salários dignos.

Resistimos à sobrecarga dos trabalhos de cuidados que recaem sobre nós, só porque somos mulheres. Marchamos pela igual partilha do trabalho dos cuidados, pela dignificação das cuidadoras informais e pela valorização do trabalhos dos cuidados.

Resistimos aos abusos de poder e à desvalorização da violência que somos alvo. Marchamos para mobilizar a sociedade na denúncia do machismo institucional e da justiça machista!

Resistimos contra a discriminação das nossas múltiplas identidades de género e sexualidades e todas as formas de controlo sobre os nossos corpos. Marchamos pela livre expressão de género, pela diversidade sexual e pela autonomia sobre os nossos corpos!

Resistimos enquanto mulheres e ativistas racializadas para denunciar a mentalidade colonialista e o racismo estrutural da nossa sociedade! Marchamos por uma sociedade ativamente anti-racista e anti-colonial!

Resistimos à xenofobia, à “ilegalização” das nossas vidas, ao confinamento das pessoas refugiadas em campos sobrelotados e sem condições mínimas de dignidade. Marchamos por um mundo sem fronteiras e prisões, nenhum ser humano é ilegal!

Resistimos à expulsão dos centros das cidades, à mercantilização das nossas casas, às ameaças de despejos, à violação constante do direito fundamental à habitação. Marchamos por uma cidade feminista e inclusiva, que não expulsa os seus habitantes e cria espaços públicos e habitação para todas e todos.

Resistimos à degradação dos serviços públicos, à servicialização da economia e aos ataques à nossa soberania alimentar. Marchamos por uma economia feminista que ponha os cuidados pela vida, pelas pessoas e pelo ambiente no centro das decisões políticas!

Associação Portuguesa de Mulheres Juristas

Casa do Brasil de Lisboa

Climáximo

Comunidária

Clube Safo

Feministas em Movimento - FEM

Feminismo sobre Rodas

Habita - Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade

HuBB Humans Before Borders

Instituto da Mulher Negra - INMUNE

LGBTI - Leiria

Nucleo Feminista de Évora

UMAR . União de Mulheres Alternativa e Resposta

UMAR-Açores – Associação para a Igualdade e Direitos das Mulheres

Subscrições devem ser enviadas para mmmulherespt@gmail.com 






sábado, 10 de outubro de 2020

 


Declaração da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres 2020


Neste 17 de outubro de 2020, as feministas da Marcha Mundial das Mulheres, em mais de 50 países e territórios, chegámos ao encerramento da nossa 5ª Ação Internacional, que tem marcado nossa ação coletiva desde o 8 de março deste ano. A pandemia não deteve o nosso movimento, foi justamente o contrário: hoje mais que nunca, frente à escalada autoritária e reacionária do capital: Resistimos para viver, marchamos para transformar!

Nosso lema se tornou mais concreto nestes tempos. A solidariedade feminista que sempre tem sido nosso princípio, tornou-se a prática central na garantia da vida em comum, atacada por uma crise pandémica provocada pelo capital. A força das mulheres é incontrolável: para sustentar o mundo e para transformá-lo.
  
Em nossas comunidades, cidades e países, vivemos graças a uma economia que não para, nem pelo COVID-19. É a economia que sustenta a vida: a dos cuidados, das camponesas, das artesãs, e de diferentes circuitos económicos que ativaram e garantiram a produção de alimentos saudáveis e de serviços realmente indispensáveis.

A pandemia avança de maneira desigual, e é evidente como a direção política dos governos e do poder corporativo têm definido o impacto do COVID-19 nos nossos povos. A política de morte tem sido reforçada contra as e os mais pobres, a população negra, periférica e indígena.

Durante esse período, as mulheres na Palestina experenciaram com maior dureza os crimes da ocupação, a mesma opressão que se expressa sob diversas formas sobre as mulheres do Oriente Médio e África do Norte, especialmente Líbia, Síria, República Saharaui e Líbano. Além disso, territórios como Cuba e Venezuela enfrentam a intensificação do ataque imperialista à soberania popular, com seus bloqueios e ameaças de intervenções militares.

Em nossos lugares de vida e luta, denunciamos o uso da pandemia como desculpa para aumentar a militarização dos territórios e a criminalização dos movimentos sociais, abrindo ainda mais as portas para o poder das transnacionais e o endividamento, o ataque às democracias e a ampliação do controle das tecnologias de vigilância sobre nossa vida, nossos territórios, nosso trabalho. É um sistema que nos quer silenciadas, desmobilizadas e superexploradas. Por isso, somos atacadas quando lutamos pelos nossos direitos e autodeterminação.  

Portanto, dizemos não! Não ao apelo das elites e dos governos de direita para o retorno à normalidade. Porque o que eles chamam de normalidade, nós chamamos de capitalismo racista, patriarcal e colonialista, onde não há espaço para a vida, onde poucos se enriquecem com o trabalho e a pobreza da maioria e a isso dizemos basta! Nós, as que sustentamos o mundo com nossa energia, trabalhos e cuidados, do Norte ao Sul, dizemos que é o momento de construir outra normalidade, uma onde a vida e sua sustentabilidade estejam no centro. 

Como movimento de mulheres anticapitalistas e antirracistas, estamos defendendo a vida há 20 anos e, por isso, não paramos de enfrentar a violência machista, racista e colonial e os avanços do conservadorismo. Perante essa agenda da morte, colocamos em marcha a agenda da economia feminista, dos bens comuns e do poder popular. Nosso “resistimos para viver” é inseparável do “marchamos para transformar”.

Para nós, a sustentabilidade da vida é: a autodeterminação dos corpos e territórios; a memória e os conhecimentos ancestrais; a soberania alimentar, a agricultura familiar e camponesa, a agroecologia feminista; os cuidados, a produção, distribuição e consumo baseados em princípios da ecodependência e interdependência, em justiça ambiental, social e econômica; o direito de viver em um ambiente saudável e livre de violência patriarcal e racista, livre de transfobia e lesbofobia; o reconhecimento de que o trabalho doméstico e de cuidados é indispensável para a vida; o suporte dos sistemas de justiça antirracistas, a serviço do povo, em um mundo sem muros, onde as pessoas que migram sejam respeitadas e não criminalizadas. A sustentabilidade da vida só é possível com povos livres e soberanos, poder popular e democracia; com a desmercantilização da vida e o desmantelamento do poder das empresas transnacionais; com serviços públicos que garantam a reprodução social e o direito das mulheres de decidirem sobre seus corpos, entre muitos outros princípios e exigências políticas que vamos construindo em nossas resistências cotidianas.

Trazemos nossas lutas e práticas concretas que transformam, nossas novas formas de ação política concebidas desde as experiências coletivas e colocadas em marcha de alternativas contra hegemônicas, desde a solidariedade e o internacionalismo popular. Seguimos lutando até que todas sejamos livres, pelas nossas vidas e por um futuro de igualdade, liberdade, solidariedade, justiça e paz em todos os territórios do planeta.

Resistimos para viver, marchamos para transformar!
Marcha Mundial das Mulheres, 17 de outubro de 2020


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres




Em muitos cantos do mundo, estamos-nos a preparar para promover um poderoso desfecho da V Ação Internacional, que é uma síntese das inúmeras discussões que tivemos neste ano.
Ancoradas em nossa experiência feminista de luta e rebelião, enfrentamos a escalada autoritária e reaccionária do capital: resistimos para viver! A partir das nossas práticas, utopias e esperanças, marchamos para transformar!
Acede a mais informações sobre o encerramento da V Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres em marchemondiale.org

Enfrentar o racismo defender a democracia


Enfrentar o racismo defender a democracia

Ao longo das últimas semanas assistimos à escalada de manifestações racistas a um nível que não podemos ignorar nem tolerar. É a nossa democracia e a nossa liberdade que está em causa. E a integridade pessoal e física de companheiros e companheiras de luta que está sob ameaça.

Depois do assassinato de Bruno Candé, após repetidas ameaças racistas e insultuosas, assistimos, no passado fim-de-semana, a uma concentração de um grupo neonazi em frente à sede do SOS Racismo. De máscaras brancas e tochas na mão, mobilizaram a simbologia performativa dos supremacistas brancos Ku Klux Klan, que fizeram linchamentos de afro-americanos nos Estados Unidos. Registaram o protesto e divulgaram-no nas redes sociais, numa clara indicação de que é uma organização que publicita a sua ação impunemente. Nos últimos meses esta e outras organizações tinham sido grafitadas com mensagens de incentivo ao ódio.

Há dois dias atrás a mesma organização anti-racista recebeu um email dirigido a 10 pessoas, entre elas ativistas e deputadas, intimando-as a abandonar o país em 48 horas, renunciando às “suas políticas”. Entre as pessoas visadas estão três deputadas - Beatriz Gomes Dias, Mariana Mortágua (do Bloco de Esquerda) e Joacine Katar Moreira (deputada não inscrita) – e sete ativistas que têm tido um papel fundamental na luta contra a recente escalada racista e a ameaça fascista em Portugal - Danilo Moreira, sindicalista, Jonathan Costa e Rita Osório, da Frente Unitária Antifascista, Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, Melissa Rodrigues, do Núcleo Anti-racista do Porto e Vasco Santos, do Movimento Alternativa Socialista.

Como se não bastasse o desrespeito à liberdade política e à democracia que representa essa intimação, a mensagem vai mais longe ameaçando com a adoção de medidas “contra estes dirigentes e os seus familiares, de forma a garantir a segurança do povo português”, caso não cumprissem a missiva.

Entendemos que estas ações representam uma nova escalada dos movimentos neonazis que não pode ser ignorada e subscrevemos as preocupações e exigências endereçadas por um conjunto de associações e coletivos anti-racistas e representativas de comunidades racializadas:

“Exigimos que os responsáveis políticos e institucionais,a quem endereçamos esta carta, accionem os mecanismos processuais para combater o racismo e o crescimento da extrema-direita, assim como dêem um sinal inequívoco e público sobre a inaceitabilidade de actos e organizações políticas e partidárias racistas e que demonstrem a sua solidariedade para com as vítimas destes ataques. A negação e inacção sistemáticas são o leito da impunidade do racismo que tem escalado para níveis a que já nos tínhamos desabituado. As nossas vidas importam. O silêncio das instituições é cúmplice.” (https://www.buala.org/pt/mukanda/carta-aberta-o-silencio-e-cumplice?fbclid=IwAR1jgMXMKzoxtYbsllGGkISCKE9NdiwCpKVBzp1BFdM5ZNO2lEBVLe1q5YE)

Lembramos que o n.º 4 do art.º 46º da Constituição da República Portuguesa (CRP) é muito claro na proibição deste tipo de ações e organizações quando refere que “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.”

Lembramos que o prazo da missiva acaba hoje à noite e não a subestimamos. As organizações de cariz racista, fascista e neonazi alimentam-se do medo e da culpa para fazer vingar as suas posições.

Por isso exigimos não apenas que estas ameaças sejam investigadas mas também que sejam adotadas todas as medidas no sentido de garantir a integridade física e a segurança das pessoas visadas, assim como dos seus familiares.

Coordenadora Portuguesa da Marcha Mundial de Mulheres
 

 


Racismo e Anti-fascismo
24 de Junho
18H PT continental e Madeira e 17h nos Açores
19H Estado espanhol
19H Moçambique
14H Brasil (Rio de Janeiro)
13H EUA (New York)
Em 2020 a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) celebra os seus 20 anos enquanto movimento internacional. A nossa 5ª ação é um apelo à confrontação, a partir da perspetiva das lutas das mulheres, com a progressão das forças da extrema direita que articulam conservadorismo e neoliberalismo, ameaçando a vida e a democracia.
Não obstante as dificuldades que hoje enfrentamos, sabemos bem como é fundamental construir solidariedade feminista, mesmo na distância física: fazemo-lo há 20 anos e hoje, neste contexto de crise pandémica. Sendo mais difícil a realização de encontros e ações internacionais, a MMM de Portugal e da Galiza tomaram a iniciativa de realização de uma série de webinars para aprofundar reflexão estratégica que alimente as respostas feministas nestes tempos pandémicos. Pretendemos assim continuar tecendo redes na construção de alternativas reais e transformadoras.
No primeiro discutimos o papel crucial da reivindicação e construção de práticas assentes na soberania alimentar em tempos pandémicos. Pretendemos agora discutir o racismo e anti-fascismo.
Hoje, o conflito capital-vida tornou-se mais visível e paradoxal. As respostas que a maioria dos estados adoptaram face à ameaça da epidemia reproduziram os mecanismos patriarcais, racistas e coloniais do poder. Numa primeira fase, em muitos países a primeira resposta foi a de “business as usual”, minimizando a ameaça à saúde pública. Tornando-se evidente a necessidade de ação no sentido da contenção da pandemia, as medidas dos Estados passaram pelo policiamento, a restrição das nossas liberdades e o uso da repressão dentro da lógica manutenção da governação capitalista da vida - incluindo a exploração do trabalho dos cuidados.
Neste conflito capital-vida, não hesitamos, escolhemos a vida e por isso contestamos os ataques aos direitos democráticos e laborais. É no respeito na dignidade e autodeterminação humana e não no seu ataque que encontraremos as respostas para os estranhos tempos que vivemos.
Por isso não podemos deixar de saudar a onda de protesto e resistência em resposta ao assassinato de George Floyd e contra o racismo e todas as atrocidades da administração Trump. Vemos também com esperança a solidariedade internacional e a mobilização anti-racista que se tem alastrados a vários países do mundo, incluindo na Europa, sob o lema #vidasnegrasimportam.
Consideramos que estas mobilizações colocam novos desafios. Assim sendo, convidámos quatro ativistas anti racistas de diferentes movimentos e geografias:
Janvieve Williams Comrie - AfroResistancia, New York, EUA
Cristina Roldão - é socióloga, investigadora no CIES-IUL e professora da ESE-IPS. É uma voz activa no debate público e académico sobre o (anti)racismo em Portugal, Lisboa, Portugal
Elaine Monteiro - historiadora, militante da MMM Brasil e diretora de mulheres da União nacioal dos estudantes - UNE, Brasil
Graça Samo - Secretariado Internacional da Marcha Mundial de Mulheres, Moçambique.

Podes assistir ao debate aqui: https://www.youtube.com/watch?v=GL5fLTdTynE&t=3227s


domingo, 26 de abril de 2020

sábado, 25 de abril de 2020

25 de Abril

Hoje, às 15h00, "às janelas ou às varandas", cantamos a canção 'Grândola, Vila Morena', de Zeca Afonso.


sexta-feira, 24 de abril de 2020

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Declaração Política da MMM Portugal - 24 horas de Solidariedade Feminista


                                               24 de abril 2020

24 horas de solidariedade feminista contra as empresas transnacionais
No conflito entre o capital e a vida, nós escolhemos a vida!

No dia 24 de Abril, a Marcha Mundial de Mulheres lança as 24 horas de ação contra o poder e a impunidade das corporações transnacionais, no âmbito da nossa 5ª ação internacional. Para isso, estamos a alimentar uma corrente virtual para denunciar a atuação das corporações internacionais que exploram e destroem a vida das mulheres. Não esquecemos os milhares de mulheres que morreram ou ficaram feridas quando aconteceu o colapso das torres da Rana Plaza no Bangladesh, em 2013. Até hoje, vítimas e famílias não viram justiça ser feita e as corporações continuam a explorar pessoas e a natureza, acumulando lucros e poder.
Sabemos bem como é fundamental construir solidariedade feminista, mesmo na distância física: fazemo-lo há 20 anos e neste contexto de crise pandémica. Estamos bem conscientes que o cuidado e o calor humano são e sempre foram elementos importantes para a vida, hoje este é necessário como condição para proteger e manter a vida. Isso faz-nos questionar: Como é que as mulheres, suas famílias e comunidades estão a sobreviver a esta pandemia? Até quando estaremos condicionadas por essa realidade? E quais são as mudanças que devem ser impulsionadas, urgentemente, para transformar nossas sociedades e superar este sistema?

Resistimos para viver
Neste contexto de crise pandémica, o conflito capital-vida tornou-se mais visível e paradoxal. As respostas que a maioria dos estados adoptaram para o cuidado das populações ameaçadas pela epidemia reproduziram os mecanismos patriarcais, racistas e coloniais do poder. Em muitos sítios, as medidas dos Estados passaram pelo policiamento e a retirada de direitos básicos para o exercício da participação e garantia das nossas liberdades revelando as prioridades e o uso da repressão para a manutenção da governação capitalista da vida.  
Em tempos de COVID-19, bem sabemos que o “essencial” é limpar, nutrir, cuidar, tratar, educar. Produzir alimentos, trazer e levar bens essenciais, informar, organizar vontades, diagnosticar, buscar soluções e tratamentos. Tornou-se mais claro quais são os trabalhos essenciais para a vida - os cuidados (remunerados ou não), a produção de alimentos e todos os trabalhos cotidianos, muitas vezes invisibilizados, que garantem que a vida siga. E, tal como a crítica feminista tem lembrado, esse é um trabalho feito sobretudo por mulheres: uma parte dele, não pago, é feito nas famílias e nas comunidades mais próximas; outra parte, é muitas vezes mal paga, em condições de precariedade, sem direitos. Ou seja, o trabalho essencial à vida é o que tem permitido a nossa existência mas tem sido invisibilizado, desvalorizado e realizado à custa da opressão das mulheres e outrxs cuidadorxs.
Mas ficamos também a saber que o (nosso) trabalho até pode ser essencial à economia mas não podemos parar, mesmo colocando em risco a nossa saúde e a nossa vida. Aí reside uma estranha escolha de prioridades: apesar de ser o nosso trabalho que sustenta a economia, não é a nossa saúde, as nossas vidas, o bem estar comum que interessam.  São muitas as empresas que não pararam, não garantindo as condições mínimas de segurança, ou, mais cruel ainda, a licença remunerada para trabalhadores/as doentes. Muitas empresas estão a exigir o mesmo de pessoas que estão em tele-trabalho, desconsiderando as mudanças concretas do cotidiano, casas que são escolas e local de trabalho, comprimindo tempo e espaço e aumentando a necessidade do trabalho doméstico e de cuidados, especialmente para as mulheres. Contra a ditadura do lucro, resistimos por uma vida digna.

Marchamos para transformar
É neste contexto em que a oposição entre capital e sustentabilidade da vida é revelada em toda a sua perversidade e exclusão, que precisamos mais do que nunca de visibilizar as nossas resistências e as nossas razões para marchar. As soluções têm de ser radicalmente diferentes e a sustentabilidade da vida deve ser a prioridade para a construção de respostas políticas e económicas viáveis. As experiências e práticas de resistências de mulheres em várias regiões do mundo têm viabilizado a vida contra a austerícidio imposto pelos estados e as corporações transnacionais. É urgente visibilizar as alternativas que estamos a construir: nos bairros, nas escolas, nos campos, nas ruas e nas redes sociais. A construção de uma economia solidária, a agroecologia, a soberania alimentar, a comunicação popular e a própria organização do movimento produzido pelas mulheres que sustêm a economia e, precisamente por essa razão, são quem a transformam radicalmente. As nossas alternativas feministas demonstram através de práticas concretas as possibilidades de transformação.  

Resistimos para viver, marchamos para transformar!

Declaração Política da MMM Internacional- 24 horas de Solidariedade Feminista


Nesses meses de pandemia, a situação de isolamento social revela muitas coisas que, há tempos, fazem parte da nossa crítica feminista ao capitalismo racista. Tornam-se mais evidentes os trabalhos essenciais para a vida, os cuidados (remunerados ou não), a produção de alimentos e todos os trabalhos cotidianos, muitas vezes invisibilizados, que garantem que a vida siga. Todo esse trabalho é feito de diferentes formas: em sua maioria por mulheres com baixa remuneração e muitas vezes sem direitos, no âmbito comunitário, com relações de cooperação e solidariedade (como as cozinhas comunitárias em vários países), na produção camponesa e agroecológica que é fundamental para alimentar a maioria da população. Mas, diante da ganância dos grandes empresários, que põem em risco a vida do povo, vemos que determinar o que é essencial depende muito da perspectiva. Para o capital (e, portanto, para as empresas transnacionais), o essencial é o lucro. Por isso, em lugares como o Brasil, a mineração foi declarada essencial, e já existem casos comprovados de trabalhadores da Vale infectados pelo covid-19.
A reação capitalista contra o isolamento social deixa ainda mais evidente uma estranha contradição: nossa saúde e nossas vidas não importam, mas nossos trabalhos sustentam a economia e o lucro dos empresários e suas corporações. São muitas as empresas que não liberam suas trabalhadoras e trabalhadores, não garantem o mínimo necessário para a prevenção da transmissão, ou, mais cruel ainda, não garantem licença remunerada para trabalhadores/as doentes. Nesse período de isolamento social, muitas empresas estão cobrando as mesmas metas e uma superprodutividade de pessoas que estão trabalhando desde suas casas, desconsiderando as mudanças concretas do cotidiano, que aumentam a necessidade do trabalho doméstico e de cuidados, especialmente para as mulheres.
Basta de autoritarismoAs forças de extrema-direita no poder reforçam o autoritarismo e a violência, como nas Filipinas. A ameaça de operações militares contra a Venezuela também é exemplo dessas políticas de controle capitalista, assim como os bloqueios e sanções econômicas imperialistas, que colocam mais obstáculos para os países lidarem com essa pandemia. É o bloqueio histórico dos Estados Unidos que está impedindo, hoje, por exemplo, que o povo cubano tenha acesso a máscaras de proteção. A violência sistêmica desse modelo econômico também se revela em declarações colonialistas contra os povos do continente africano. A crise do coronavírus está mostrando os impactos das desigualdades sociais e econômicas na vida das pessoas, mas essa realidade já estava presente no mundo, promovendo ataques intensificados nos últimos anos. Esses ataques vindos da extremadireita são articulados com os interesses das grandes empresas transnacionais.
Quem controla o mundo hoje?As empresas transnacionais acumulam hoje mais recursos do que muitos países. Elas concentram cada vez mais riqueza e poder, e, como parte de sua atuação, destroem a natureza, violentam e expulsam pessoas dos lugares onde sempre viveram. Grandes grupos econômicos acumulam todo o lucro gerado, desde a extração de matéria-prima até a produção e distribuição de bens e serviços.
As transnacionais são grandes responsáveis pelo domínio, cada vez mais intenso, do capitalismo sobre nossos territórios e nossas vidas. Esse poder corporativo é cada vez mais forte, e articula diferentes esferas de poder econômico, político, cultural e jurídico. O poder corporativo tem muitos instrumentos para colocar os Estados e seus recursos a serviço dos lucros e não da vida dos povos, como são os tratados de comércio e inversão e os pacotes de “ajuda” que endivida Estados e condiciona suas políticas.
Resistimos à mercantilização da saúde e marchamos para colocar a vida no centro das políticas
A privatização de serviços públicos é fruto das políticas de austeridade em muitos países, e é responsável pelo enfraquecimento dos serviços públicos de saúde – que estão entrando em colapso nessa pandemia. As transnacionais farmacêuticas são um exemplo dos problemas da lógica do mercado: elas não se importam com a saúde, mas sim com formas de lucrar a partir das patentes, da produção e da venda de medicamentos. O investimento público em pesquisa e em serviços de saúde universais é o caminho para a prevenção e erradicação de muitas doenças. É, portanto, fundamental para a vida em sociedade. Mas esse investimento é atacado pelo capital, que impõe cortes e privatizações. Por isso essas políticas de austeridade não garantem a vida, pelo contrário: são políticas de morte, e por isso são chamadas de “austericidas”.
Resistimos ao agronegócio e marchamos por soberania alimentar
Podemos usar nosso acúmulo crítico à lógica capitalista de acumulação por despossessão, para refletir sobre as causas articuladas das diferentes crises e dos diferentes vírus que provocam epidemias e pandemias como a atual. Ao procurar “a” origem, isolando uma epidemia da outra, um vírus do outro, cada vez mais se buscam vacinas e medicamentos – patenteados – que não servirão para o próximo vírus. São muitos os estudos que fazem a relação entre o surgimento de novos vírus que passam de animais para seres humanos e o sistema industrial agroalimentar. Isso porque esse sistema articula diferentes processos que causam danos à biodiversidade e aos seres humanos. O desmatamento para expandir a fronteira agropecuária provoca o deslocamento de populações de seres humanos e animais; a produção de grãos transgênicos para alimentar animais, o crescimento acelerado por antibióticos e a aplicação de uma série de vacinas que mudam seu sistema imunológico; a criação, em escala industrial, de animais em situação degradante e espaços muito apertados, que facilitam transmissão de doenças. Como diz Silvia Ribeiro¹ , “são vários fatores que se conjugam. Os animais que saem de seus hábitats naturais, sejam morcegos ou outros animais, inclusive podem ser muitos tipos de mosquitos criados e que se tornan resistentes pelo uso de agrotóxicos. Todo o sistema da agircultura industrial tóxica e quima também cria outros vírus que produzem doenças. Existe uma quantidade de vetores de doenças que chegam a cidades com adensamento populacional, especialmente nas zonas periféricas, com pessoas que foram expulsas de seus lugares de vida e não tem condições de moradia e higiene adequadas. Isso cria um circulo vicioso da circulação dos virus”².
Os efeitos do agronegócio na vida camponesa são conhecidos entre nossos movimentos sociais, que mobilizam tanta resistência e luta em todo o mundo. Na África, a expansão do agronegócio para a produção de palma é o principal motor do acaparamento dos territórios. Empresas asiáticas como Wilmar, Olam e Sime Darby são algumas das que promovem a expulsão de comunidades inteiras dos seus lugares de vida.
Para enfrentar essa lógica de produção de doenças e de pobreza, é preciso fortalecer a produção camponesa de alimentos, de base agroecológica, dando fim ao controle de grandes corporações (como Walmart e Carrefour) sobre a distribuição de alimentos. Em plena crise de coronavírus, se multiplicam os desafios nas cidades para ter acesso a alimentos sem veneno, enquanto as redes de supermercados se apresentam como os lugares mais higiênicos e seguros para fazer compras evitando a transmissão.
Resistimos ao acaparamento e contaminação dos territórios, marchamos pelo direito à água
Grande parte das populações em periferias, a maioria negra e pobre, é quem enfrenta e enfrentará as condições mais adversas durante essa pandemia. Os motivos não são apenas de idade ou doenças pré-existentes. É a falta d’água em sistemas de abastecimento sucateados ou privatizados, a falta de espaço, de comida e de cuidado, é não poder ficar sem trabalhar porque trabalha de dia para comer a noite, é a falta de direitos trabalhistas… toda essa precariedade da vida, encadeada e generalizada, escancara o racismo e o patriarcado que são parte fundamental deste conflito do capital contra a vida. Falta água no campo, por causa da contaminação pelas mineradoras como a Vale, a Anglo American, ou a Belo Sun e também por causa da apropriação de fontes e nascentes por empresas transnacionais, como a Nestlé e a Coca-Cola.
Essa situação nos convoca a fortalecer o feminismo anti-capitalista e antirracista. Também nos faz questionar todas as formas de controle – as que já existem e as que as corporações e os Estados autoritários tentam ampliar nesse momento de pandemia, como a vigilância e rastreio do povo palestino, operada pelo violento Estado de Israel.
Resistimos à vigilância, marchamos por tecnologias livres e seguras
Precisamos ampliar nossa discussão crítica sobre o poder das empresas de tecnologia e internet que enriquecem com os dados que produzimos no nosso cotidiano. Produzimos esses dados sem nem perceber: acontece quando estamos conectadas por celular e nas redes sociais do Facebook, como o Whatsapp, acontece em cidades cheias de sensores em câmeras de vigilância, acontece no meio rural, em territórios mapeados pelas mesmas empresas do agronegócio, que digitalizam suas formas de controle na chamada “agricultura 4.0”. A Bayer-Monsanto continua sendo precursora desse ataque permanente à produção camponesa.
Os dados, por si só, tornaram-se capital. A vigilância em massa, onde corporações e Estados se juntam, faz parte dessa lógica sistêmica de aumentar os lucros. Nosso modo de vida parece, então, ser um produto, uma mercadoria, que pode ser vendida e acessada sem restrições. Facebook e Bayer-Monsanto, que a princípio atuam em setores diferentes, têm em comum a falta de transparência de suas tecnologias digitais: nós não sabemos totalmente quais tipo de dados elas coletam, como utilizam, para quem vendem. Mas sabemos que é assim que ganham dinheiro e ampliam seu controle. Nesse sentido, os agricultores e agricultoras não sabem se os drones que sobrevoam seus territórios estão, por exemplo, espionando e coletando informações que as comunidades poderiam não querer fornecer sobre o território, sua forma de trabalho e sua relação com a natureza.
A crítica a esta lógica capitalista (de digitalização e vigilância) não pode se desconectar da resistência permanente ao acaparamento dos territórios. Tudo que é virtual tem uma base material. Essas empresas dependem de energia e de territórios concretos para armazenar e processar tantos dados e, também por isso, impulsionam o extrativismo.
Não é pouca coisa que 80% dos dados coletados, armazenados e analisados em todo o mundo sejam propriedade de cinco grandes empresas: Microsoft, Apple, Alphabet (Google), Amazon e Facebook – que, por sua vez, investem significativamente em outras empresas-plataformas. Essas empresas-plataformas são apresentadas como aplicativos, e não reconhecem como suas funcionárias as milhões de pessoas que trabalham para elas (a palavra da moda é “colaborador”), não assumem nenhum risco, não garantem nenhum direito ou salário base. Agora, durante a pandemia, nem sequer facilitam a disponibilização de equipamentos de proteção individual. Cada vez mais, escutamos falar sobre “uberização”, e em muitos lugares o trabalho de milhões de pessoas já é mediado apenas por aplicativos. Trabalhadores e consumidores se cadastram em um aplicativo que organiza a oferta e demanda de determinado serviço. Longe da visibilidade das muito conhecidas do setor de transporte e entregas, como Uber, Deliveroo e Rappi, também existem os aplicativosplataformas de cuidados, que aprofundam as já conhecidas dinâmicas de precarização do trabalho doméstico e de cuidados, profundamente racializadas em todas as partes do mundo. A Care.com (que tem Alphabet/Google como um dos principais investidores) está presente em mais de 20 países, a maioria no norte global, e diz ter cadastradas 14,6 milhões de cuidadoras. A Zolvers atua no Chile, México, Colômbia e Argentina, com 120 mil pessoas que prestam serviços de limpeza, cozinha, arrumação. Sitly, de origem holandesa, é uma grande plataforma de babás, e diz ter mais 1 milhão de trabalhadoras cadastradas no Brasil. Na África do Sul, encontramos a SweepSouth, e na Índia, a bookmybai, que seguem a mesma lógica.
O trabalho se precariza ainda mais com essa dinâmica de digitalização, e também surgem novas formas de trabalho invisibilizados. É que, para que a “inteligência artificial” funcione, existem milhões de pessoas fazendo o chamado micro-trabalho digital: transcrições, traduções, moderação de conteúdo, identificação de imagens, monitoramento dos algoritmos, entre muitas outras tarefas feitas sob condições muito precárias ao redor do mundo, em países como Índia, Estados Unidos, Indonésia, Nigéria, Brasil, Moçambique, África do Sul, Quênia, entre outros. Aí vemos, também, uma atualização do colonialismo, que persiste na relação entre as empresas e os povos do mundo.
Resistimos ao livre comércio, marchamos pela integração dos povos
O dia 24 de abril relembra a morte de mais de mil mulheres que trabalhavam para transnacionais da área da confecção. Esse setor é exemplar de como as transnacionais se organizam: em cadeias globais de produção, com subcontratação, terceirização e deslocamentos por diferentes países, com estratégias que mudam em cada lugar. O objetivo é um só: reduzir os custos do trabalho para, assim, ampliar os lucros das empresas. O entrelaçamento da divisão internacional, social, sexual e racista do trabalho faz parte de uma estratégia cruel: socializa os riscos e concentra a riqueza.
Sabemos que o trabalho só pode ter menos custo se as pessoas que trabalham não tiverem direitos garantidos, enfrentarem longas horas de trabalho e receberem baixos salários. Esta é a realidade de uma grande parte das mulheres, da população negra e imigrante, mesmo nos países do Norte.
As empresas impõem condições precárias de trabalho diretamente para suas trabalhadoras e seus trabalhadores, mas também influenciam mudanças e desregulamentações no direito trabalhista através dos Tratados de Comércio e Investimento. Mais uma vez, os Estados estão a serviço das empresas e não dos direitos dos povos.
A atuação das empresas através do discurso do “livre mercado” reforça as desigualdades das relações sociais – o colonialismo, o patriarcado e o racismo, que se retroalimentam no capitalismo. O trabalho sem direitos e as jornadas super-extensas são realidades nas maquilas, no trabalho a domicílio e nas oficinas de costura espalhadas pelos países do Sul. As empresas transnacionais violam os direitos e chegam a ser responsáveis pela morte de seus trabalhadores e trabalhadoras, como foi o caso de Bangladesh, em 24 de abril de 2013. Além de tudo, é recorrente que as empresas se neguem a fazer reparações às populações afetadas por violações sistemáticas, mantendo uma dinâmica de impunidade, como vemos por exemplo na atuação da mineradora Vale. Para reduzir os efeitos negativos sobre sua imagem, organizam ações de “responsabilidade social empresarial”. Inclusive, é perceptível, nestas ações, uma incorporação fragmentada e despolitizada de discursos identificados como feministas. Isso banaliza a agenda do feminismo, retirando sua radicalidade, e invisibiliza o movimento organizado.
Resistimos à mercantilização do feminismo, marchamos até que todas sejamos livres
A tentativa de limpar sua imagem com ações de “responsabilidade social” não é uma prática nova entre as empresas transnacionais. Nos anos 1980 e 1990, ficou conhecida a expressão “maquiagem verde” (greenwashing), quando empresas destruidoras da natureza incorporavam a sustentabilidade em seus discursos – e ficavam só no discurso, com soluções brandas, sempre focadas na acumulação e no lucro. O que chamamos de “maquiagem lilás” não é algo que acontece só na relação com as mulheres: é uma estratégia que segue forte em diferentes setores sociais. Mas, com o crescimento do feminismo em várias partes do mundo, muitas empresas incorporaram os discursos do empoderamento individual e da diversidade em seus slogans. Trata-se de uma maquiagem lilás que tenta ocultar a violência e exploração da acumulação capitalista. Essa estratégia fica evidente em propagandas e produtos de muitas empresas que tem as mulheres como público-alvo principal, como as linhas de sabonete Dove, de xampu Pantene ou os absorventes Always. Chama a atenção que essas marcas, que têm feito propagandas baseadas no empoderamento, são das mesmas transnacionais (Unilever e Procter&Gamble) que, em outras “submarcas” focadas nos consumidores homens, continuam fazendo propagandas com mensagens de submissão das mulheres (como o desodorante Axe). Isso sem falar na exploração das trabalhadoras destas empresas, que, certamente, não estão nada “empoderadas” em seus trabalhos precários.
Faz tempo que estamos denunciando as empresas de cosméticos e farmacêuticas, que lucram com o desconforto das mulheres sobre seus corpos. Juntos, a biomedicina, as transnacionais, o machismo e o poder médico vendem ilusões de bem-estar e felicidade, enquanto invadem o corpo das mulheres e negam sua autonomia. O discurso do empoderamento não impede que as empresas vendam seus produtos de sempre. Na verdade, são um novo elemento para o marketing daqueles velhos produtos.
Além das propagandas, vemos as grandes empresas (como a própria Unilever) financiando projetos locais que mobilizam mulheres em comunidades com pouco acesso à saúde, incentivando o empreendedorismo e a conscientização sobre práticas de higiene pessoal – usando os produtos fabricados pela própria empresa, ampliando assim o mercado. No mesmo sentido, as empresas, através de seus Institutos (como Avon, Coca-Cola e C&A), se apresentam como promotoras da conscientização e dos direitos das mulheres, seja diretamente, seja pelo financiamento de pesquisas e de iniciativas locais de grupos de mulheres.
Mesmo quando essas estratégias corporativas pautam temas como o enfrentamento à violência ou incentivam o empoderamento das mulheres, a abordagem se limita aos comportamentos individuais: incentivam a ideia de que as mulheres podem fazer tudo o que querem (desde que mantenham intactas as estruturas do capitalismo em geral, e os lucros dessas empresas em particular). Essas mesmas empresas enriquecem com base na exploração do trabalho feminino sem direitos (na terceirização e no trabalho por conta própria ou a domicílio), no controle dos territórios e da água, na criação de novas necessidades e imposições sobre o corpo e a beleza das mulheres (mesmo quando os novos padrões “se abrem” para as diferentes identidades e a diversidade). Isso tudo despolitiza os acúmulos do feminismo, transforma o feminismo em um discurso descolado das mudanças reais, restringe o feminismo a um comportamento. Não à toa, isso se dá em um momento de crescente negação da política enquanto prática coletiva, de criminalização das lutas sociais, desqualificação e perseguição dos movimentos sindicais. Portanto, a negação do próprio caráter do feminismo enquanto movimento social, e o foco em mudanças e comportamentos individuais, têm como consequências o esvaziamento de seu sentido político de transformação social.
Todas essas estratégias aparecem nos relatórios de sustentabilidade das empresas vinculadas ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. As Nações Unidas (ONU) não apenas legitimam como construíram instrumentos para que as empresas tenham esse tipo de atuação. Não é por acaso que essas empresas também financiam a ONU, que passou por um processo chamado pelos movimentos sociais de captura corporativa.
Marchamos para transformar a sociedade!
É por tudo isso que precisamos manter sempre a desconfiança e os olhos abertos para a atuação das empresas transnacionais, não cair em suas armadilhas e estar a postos, organizadas, para denunciar sua atuação e impedir seus crimes contra a vida. Também por todos esses motivos, é urgente visibilizar as alternativas que já estamos construindo: nos bairros, nas escolas, nos roçados, nas ruas e nas redes… Na construção da economia solidária, da agroecologia, da soberania alimentar, da comunicação popular e do próprio movimento organizado, formado pelas mulheres que sustentam a economia e que, justamente por isso, precisam transformá-la radicalmente. As nossas alternativas feministas são uma forma de apresentar, através de práticas concretas, as possibilidades de transformação. As nossas alternativas servem, enfim, para mudar o mundo e a vida das mulheres em um mesmo movimento.
A economia não pode ser separada da política, da saúde, e da vida
Nesses momentos de crise, a economia feminista tem muito a nos orientar: para colocar a sustentabilidade da vida no centro das nossas práticas de resistência e de nossas propostas de transformação. Enfrentamos a pandemia do coronavírus e o autoritarismo de muitos governos, e temos colocado o desafio de nos mobilizar mesmo mantendo a distância necessária para a prevenção. Na prática, isso significa: fortalecer as iniciativas de solidariedade que reconstroem e reforçam os laços de comunidade e a autogestão da vida em comum; visibilizar, denunciar e proteger as mulheres que vivem em situação de violência; fortalecer e apoiar as mobilizações de trabalhadoras e trabalhadores por direitos e por melhores condições de trabalho; conectar a reivindicação de políticas públicas de combate à pandemia com a luta por transformações urgentes em nossas sociedades. Isso inclui a reivindicação de sistemas públicos e universais de saúde, o desencarceramento em massa, o direito à moradia em condições dignas, com saneamento básico, a reorganização das prioridades dos recursos públicos e dos trabalhos essenciais, o fim do poder das empresas do agronegócio e dos supermercados sobre nossa alimentação, com reforma agrária e soberania alimentar. Nessa agenda, o internacionalismo é fundamental. Por isso, reivindicamos o direito à autodeterminação dos povos, o fim dos bloqueios e sanções econômicas a países como Cuba, e repudiamos as ameaças e operações militares dos Estados Unidos contra a Venezuela.
Nas 24 horas de solidariedade feminista contra o poder das transnacionais, no dia 24 de abril, nos conectaremos globalmente com nossas denúncias, com nossas alternativas, com nossa força de mulheres auto organizadas e em marcha até que todas sejamos livres.

24H de solidariedade feminista contra as empresas transnacionais







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24 horas de Solidariedade Feminista

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